O 1º Simpósio STJ-Interpol – A Interpol e a Criminalidade Contemporânea, realizado nesta quinta-feira (12) no Superior Tribunal de Justiça, teve três painéis no período da tarde, dedicados a temas centrais da agenda global de segurança: crimes ambientais, tráfico de pessoas, corrupção e crimes financeiros.
O primeiro painel, dedicado à temática dos crimes ambientais, foi conduzido pelo ministro do STJ Benedito Gonçalves, diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam). A mesa contou com a presença de David Bruce Caunter, diretor da Unidade de Crime Organizado e Emergente da Interpol, e de Anne-Marie Nainda, integrante do comitê executivo da organização internacional.
Caunter apontou a gravidade dos crimes ambientais no cenário global, enfatizando que esses delitos vêm passando despercebidos por muitos anos, mas causam danos profundos aos países. Ele ainda alertou para a crescente conexão entre esses crimes e o crime organizado. Segundo o especialista, o tráfico de vida animal, de drogas e de pessoas, bem como a atividade de garimpeiros e madeireiras ilegais e a poluição dos rios são exemplos dessa interligação criminosa, o que exige respostas coordenadas e estruturadas por parte dos países.
Outro ponto relevante abordado em sua palestra foi o papel do Brasil no combate a esses crimes. Ele destacou que o país tem sido um parceiro estratégico em diversas iniciativas internacionais e mencionou especificamente a Operação Trovão e o Programa Ouro Limpo como exemplos do protagonismo brasileiro. "Sem a experiência de vocês, nós realmente teríamos muita dificuldade em apoiar os países-membros", disse, ressaltando a expertise brasileira no combate ao desmatamento e à mineração ilegais.
Abordagem reúne instituições do Estado no combate aos crimes ambientais
Anne-Marie Nainda falou sobre a complexidade dos crimes ambientais em seu país, a Namíbia, especialmente no que diz respeito ao tráfico de animais silvestres como rinocerontes, elefantes e pangolins. Ela relatou que a Namíbia tem enfrentado o avanço do crime organizado transnacional, que recruta membros das comunidades locais e atua de forma violenta e armada nos parques nacionais.
Como resposta – informou –, o país adotou uma abordagem integrada, envolvendo instituições do Estado em uma força-tarefa multissetorial: "Os ministérios da defesa e do meio ambiente, a polícia e o judiciário têm uma força-tarefa para lidar com os problemas relacionados".
Nainda enfatizou a importância da cooperação regional e internacional, bem como o envolvimento da academia e do setor privado no enfrentamento aos crimes ambientais. Ela mencionou ainda a implementação de estratégias de investigação financeira e de lavagem de dinheiro como ferramentas fundamentais para enfraquecer os grupos criminosos.
Cooperação entre as polícias nacionais no combate a crimes transnacionais
No segundo painel, os debates se concentraram no tráfico de pessoas. Sob a moderação do ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca, a discussão contou com a participação de Fernando Santos Castro, oficial de inteligência criminal na Unidade de Tráfico Humano e Contrabando de Migrantes da Interpol.
Ao abrir o painel, o ministro alertou para a urgência do combate ao tráfico de pessoas e para a necessidade de uma atuação coordenada entre instituições nacionais e organismos internacionais. Ele observou que o enfrentamento desse tipo de crime demanda não apenas punição aos autores, mas também acolhimento digno às vítimas, com respeito à sua autonomia, trajetória e necessidades de reintegração social.
Em seguida, Fernando Santos Castro destacou a importância da Interpol como uma organização cuja função é facilitar a cooperação entre as polícias nacionais no combate a crimes transnacionais. Ele explicou que a Interpol oferece ferramentas essenciais como treinamento, bancos de dados especializados e canais de comunicação seguros para conectar as forças policiais no mundo todo. Segundo ele, essa estrutura colaborativa é fundamental para enfrentar de forma eficaz a criminalidade que ultrapassa fronteiras.
O oficial explicou que 196 países integram o sistema da Interpol, o que é o aspecto mais importante da cooperação internacional. Essa estrutura promove o contato rápido entre especialistas de diferentes países e agiliza as investigações. "Quando há uma vítima de tráfico, a rapidez na investigação é essencial, e essas redes garantem uma ação policial mais precisa", comentou.
Interpol adota ferramenta de alerta e caça aos ativos de origem criminosa
Dedicado à corrupção e aos crimes financeiros, o terceiro painel teve moderação do ministro Sebastião Reis Junior, que preside a Sexta Turma do STJ, colegiado especializado em matéria penal. Ele recebeu o diretor assistente do Centro de Crimes Financeiros e Anticorrupção da Interpol, Nicholas Richard Court, que detalhou a atuação da instituição em relação a esses temas.
Court explicou que o setor atua em três frentes: fraude e crimes de pagamento, combate à lavagem de dinheiro e recuperação de ativos, e corrupção. Segundo ele, essas modalidades de crimes vêm evoluindo devido ao avanço da tecnologia, o que cria um cenário especialmente desafiador envolvendo temas como inteligência artificial (IA), criptomoedas e as chamadas deep fakes – técnica de IA que permite a criação de conteúdos falsos por meio de fotos e vídeos manipulados.
Na sua visão, uma iniciativa bem-sucedida adotada pela Interpol para lidar com esses crimes foi a criação do Silver Notice (Aviso Prata). A ferramenta permite que países membros solicitem informações sobre ativos ligados a atividades criminosas, como imóveis, veículos, contas financeiras e criptoativos, facilitando a localização e a apreensão de bens ilegais.
"Ela é um importante meio para facilitar a comunicação global entre polícias e a cooperação entre países na recuperação de ativos. Além disso, ajuda a restaurar danos sofridos pelas vítimas e permite a reutilização social de ativos obtidos de forma criminosa", detalhou.
Necessidade de sinergia institucional e atualização do Poder Judiciário
Encerrando o simpósio, o ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do STJ, recebeu a ministra María Carolina Llanes Ocampos, primeira vice-presidente da Corte Suprema de Justiça do Paraguai.
A ministra reforçou a necessidade de sinergia entre governos e organismos internacionais no combate à criminalidade. "Enfrentamos hoje uma guerra desigual. Por isso, precisamos de técnicas especiais de investigação e ênfase em cooperação, como já fazemos atualmente, por exemplo, com o Brasil e a Argentina", declarou.
Salomão fez um balanço dos temas abordados no simpósio e lembrou que a Justiça precisa acompanhar as transformações tecnológicas, pois elas orientam a evolução da sociedade e exercem grande impacto no mundo do crime. O ministro ressaltou a dificuldade enfrentada pela atividade jurisdicional diante de um cenário que inclui "salas reservadas na internet e criptomoedas que não contam com um banco central e controle de fluxo de capitais".
"Com esse evento, o STJ se coloca numa posição de destaque como um tribunal de princípios, que tem compromisso com os direitos humanos e o devido processo legal, mas também com as formas mais modernas de combate a esse tipo de criminalidade, em associação com a Interpol", concluiu.