O Superior Tribunal de Justiça (STJ) promoveu, na terça-feira (3), a abertura do simpósio internacional Juízes & Mudanças Climáticas.
O evento, em cooperação com o Observatório do Meio Ambiente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tem o objetivo de promover o intercâmbio de conhecimentos e experiências entre magistrados brasileiros e estrangeiros sobre os desafios, os papéis e as responsabilidades dos juízes diante das mudanças climáticas e conta com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Uma iniciativa em comemoração à Semana Mundial do Meio Ambiente, o evento online reúne moderadores e palestrantes de cinco continentes.

Ao abrir o simpósio, o presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, destacou que a participação dos juízes na luta contra a crise climática exige uma atuação sensível. Ele também apontou que, com a introdução de leis climáticas mais específicas, os juízes não são ativistas ao aplicá-las, mas sim ao ignorá-las. "O legislativo cria um direito, uma obrigação. É a tarefa dos juízes implementar esses direitos", afirmou.

Evento reuniu palestrantes de onze países e cinco continentes para discutir juízes e mudanças climáticas
No painel "Desafios e Oportunidades da COP30", a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, destacou a gravidade da crise ambiental global e a urgência de ações concretas para enfrentá-la. Segundo ela, o mundo vive um "armagedom ambiental", com perda de biodiversidade, desertificação, poluição dos oceanos e, sobretudo, o agravamento das mudanças climáticas.
Marina Silva relatou que essa crise, antes tratada como uma previsão científica, hoje já atinge centenas de milhares de vidas por ano, em uma "guerra silenciosa" que prejudica especialmente os mais vulneráveis. De acordo com Marina Silva, apesar dos avanços nas negociações e no desenvolvimento de soluções técnicas, como fontes de energia renovável, ainda falta o compromisso ético e político para implementá-las em larga escala.

Nesse sentido, a ministra enfatizou a importância de alinhar as ações climáticas globais com o limite de 1,5 °C de aumento da temperatura média do planeta. Para isso, ela defendeu o fortalecimento dos marcos legais e regulatórios, a adequação das "leis humanas às leis da natureza" e a implementação efetiva das normas ambientais existentes. "Ficamos a maior parte do nosso tempo, nos últimos 300 ou 400 anos, transformando natureza em dinheiro. Chegou a hora de usar o dinheiro para restaurar o que foi perdido, preservar o que ainda existe e usar com sabedoria o que ainda existe", frisou.
Fortalecimento do multilateralismo para enfrentar a crise climática
Já o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, ressaltou que a crise climática é um dos maiores desafios da atualidade e elencou três fatores críticos que dificultam o enfrentamento do problema: o negacionismo, o imediatismo político – que reduz a ambição das políticas públicas – e a necessidade de soluções globais, com o envolvimento de todos os países.
Barroso ponderou que o Judiciário passou a exercer um novo papel diante da emergência climática, rompendo com a ideia de que a questão ambiental seria apenas uma pauta política. De acordo com o ministro, os tribunais têm assumido um papel mais ativo na proteção do meio ambiente e dos direitos fundamentais. Além de citar exemplos de julgamentos emblemáticos na Alemanha e na Holanda, ele apresentou a decisão do STF que determinou a aplicação dos recursos do Fundo Amazônia, até então paralisados, em projetos voltados a combater o desmatamento.
O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, mostrou a importância do fortalecimento do multilateralismo para enfrentar a crise climática, ressaltando que as mudanças no clima não podem ser tratadas isoladamente por cada país, pois o impacto em uma região afeta todas as demais. Ele enfatizou que as COPs são o espaço legítimo e central para o diálogo internacional sobre o clima, e que fortalecer a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima e o Acordo de Paris é crucial para superar os desafios geopolíticos atuais.

A ministra Martha Karambu Koome, presidente da Corte Suprema do Quênia e moderadora do painel, demonstrou que a COP – marcada para novembro deste ano, em Belém – será um marco na luta climática, com destaque para a discussão de temas como a redução de emissões poluentes, o financiamento climático, a transição energética, a proteção da biodiversidade e a justiça climática. Para a magistrada queniana, esses temas impõem desafios profundos aos sistemas jurídicos, especialmente ao Judiciário, que deve consolidar políticas públicas ambientais.
"O simpósio, nesse contexto, é uma oportunidade essencial para que juízes, formuladores de políticas públicas e especialistas em mudanças climáticas atuem de forma coordenada como guardiões das constituições, das leis nacionais e dos compromissos internacionais assumidos pelos Estados", disse a ministra.
Mobilizar os instrumentos disponíveis para garantir a implementação das ações climáticas
O secretário-executivo do Secretariado da ONU para Mudanças Climáticas, Simon Stiell, reforçou a urgência de ações concretas para enfrentar a crise climática, enfatizando que o Acordo de Paris é a ferramenta multilateral mais poderosa disponível para limitar o aquecimento global. Ele alertou que, sem a cooperação climática internacional, o planeta estaria caminhando para um aumento de temperatura de 5 °C, o que tornaria inviável a sobrevivência da maioria da humanidade. Embora os esforços atuais tenham reduzido essa projeção para cerca de 2 °C, Stiell ressaltou que ainda há muito a ser feito para alcançar a meta de limitar o aquecimento a 1,5 °C.
Stiell também expressou a necessidade de mobilizar todos os instrumentos disponíveis, incluindo o sistema judiciário, para garantir a implementação efetiva das ações de proteção ao clima. Nesse caso, ele chamou a atenção para a crescente importância do papel do Judiciário na luta contra as mudanças climáticas. "A mudança climática não é apenas uma questão para cientistas ou diplomatas, mas também uma questão legal que envolve constituições, tribunais e sistemas de justiça", resumiu o secretário-executivo da ONU.
Colaboração entre instituições nos níveis internacional, nacional e regional
Ao abrir o segundo painel, dedicado ao tema "A Emergência Climática nos Tribunais: O Papel e a Responsabilidade dos Juízes", a diretora da Divisão de Direito do PNUMA, Patricia Kameri-Mbote, salientou que a colaboração entre instituições nos níveis internacional, nacional e regional demonstra o apoio ao papel crítico dos juízes na educação ambiental, na proteção do meio ambiente e na responsabilização por danos ambientais. Para ela, essa articulação é essencial para garantir a efetividade das leis ambientais diante da complexidade dos desafios atuais.

"Estamos aqui para tratar da urgência da crise ambiental. Nosso planeta enfrenta uma verdadeira policrise, em que diversas crises globais não apenas se intensificam, mas parecem se sincronizar", disse.
Em seguida, o ministro Luc Lavrysen, presidente da Corte Constitucional da Bélgica e do Fórum de Juízes da União Europeia pelo Ambiente, destacou o avanço significativo da legislação e da atuação judicial voltadas à crise climática. Segundo ele, a litigância ambiental tem crescido rapidamente, acompanhando a intensificação dos impactos globais.
Nessa conjuntura, Lavrysen frisou que os tribunais vêm enfrentando casos cada vez mais complexos, que exigem a articulação entre ciência do clima, direito internacional e princípios constitucionais. "Ainda assim, as decisões judiciais têm se mostrado bem fundamentadas, com base em dados científicos e em jurisprudência consolidada". Para o ministro Lavrysen, essa produção judicial tem repercussões globais e reforça o protagonismo dos tribunais nacionais na proteção ambiental. "O Judiciário doméstico é a primeira linha de defesa no cumprimento das obrigações climáticas assumidas pelos Estados", afirmou.
Mudanças climáticas representam um risco aos direitos fundamentais
O ministro Fabien Raynaud, do Conselho de Estado da França (que corresponde à Primeira Seção do STJ), ponderou que as mudanças climáticas representam um risco sistêmico aos direitos fundamentais. Ele apontou que a crise climática é um desafio global e não pode ser enfrentada com ações isoladas de um único país. Raynaud explicou que, diante da ausência de um tribunal internacional com poder vinculante no âmbito do Acordo de Paris, torna-se essencial a atuação dos magistrados nacionais na fiscalização do cumprimento dos compromissos climáticos.
Ele observou também que "o juiz não pode — nem deve — substituir o poder político na definição do nível de esforço a ser empreendido, pois essa é uma escolha que cabe ao legislador." Nesse sentido, o ministro sublinhou que o papel do magistrado é garantir que exista um marco jurídico normativo claro e verificar se ele está sendo efetivamente aplicado.

Por fim, o ministro Ricardo Lorenzetti, da Corte Suprema da Argentina, argumentou que uma das maiores responsabilidades dos juízes é garantir o uso do princípio da não regressão, que impede retrocessos nas políticas ambientais. Ele esclarece que esse princípio é fundamental para manter o debate jurídico significativo e proteger os avanços conquistados ao longo do tempo. "O nível de proteção deve sempre ser elevado, nunca reduzido", comentou.
Lorenzetti também ressaltou a importância do desenvolvimento sustentável duradouro, afirmando que "os governos precisam agir de forma sustentável, utilizando adequadamente os recursos naturais para preservar as condições para as futuras gerações. Para ele, os juízes carregam uma responsabilidade pesada no contexto atual, "que exige atenção não apenas às leis e políticas nacionais, mas também aos acordos internacionais, incorporando o princípio da não regressão no sistema judiciário como um grande desafio contemporâneo."
O simpósio internacional Juízes & Mudanças Climáticas continuou nesta quarta-feira (4), com mais três painéis dedicados ao aprofundamento do debate sobre temas ambientais e os desafios atuais e futuros. O evento está disponível no canal do STJ no YouTube, em português e em inglês.
Links para o YouTube:
Dia 3/6 – Português
Dia 3/6 – Inglês